domingo, 31 de outubro de 2010

Typographica, Paulo Ferreira e a Ordem

via The Ressabiator by Mário Moura on 10/28/10

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Tenho andado a trabalhar na tese, que já está quase paginada e em fase de revisões. Não tenho tido muito tempo e tornou-se comum andar pela rua com um maço de impressões na mão a ler e a corrigir. Apesar de tudo, algumas notas mais ou menos rápidas, às quais espero poder voltar com mais vagar.

Comprei duas revistas Typographica de Herbert Spencer, que me desiludiram um pouco, uma da segunda série e outra da primeira – esta entusiasmou-me um pouco mais, com um formato maior e com mais variedade gráfica. Estava à espera de mais experiências com papéis e impressões exóticas, mais cor directa, como me habituei a ver nos Penrose Annual editados por Spencer, bastante mais baratos, volumosos e sumarentos. Provavelmente, não são tão valorizados como as Typographica por serem um formato que Spencer apenas herdou, ou porque são menos raros – não faço ideia. No entanto, ele passou uma década a editar estes volumes e vale a pena dar-lhes uma olhadela.

Para quem quiser um cheirinho da Typographica, outra opção relativamente barata, embora ainda mais contida em termos de cores e materiais, pode ser a antologia The Liberated Page [1], que Spencer publicou em 1987. Mais uma vez, acabo por preferir este livro à própria revista.

Cada vez gosto mais do trabalho de Spencer e da maneira como baralhava as hierarquias habituais de uma publicação. Em The Liberated Page, por exemplo, texto e imagens tipográficas confundiam-se sobre as páginas, sendo preciso um primeiro momento de atenção para distinguir entre uma composição dadaísta e o artigo que as acompanha. É  uma estratégia arriscada, muito criticada na época, que elimina a distância simbólica entre o escritor e o seu assunto, representada no livro clássico através de uma separação bem visível entre texto e imagem (através de margens brancas, imagens com um contorno marcado ou com sombreado). Porém, esta ideia de uma história viva, com a qual se podia brincar à vontade também estimulava a apropriação: toda uma geração do design inglês encontrou a sua identidade pilhando alegremente a história tornada acessível pelos livros de Spencer.

Também arranjei finalmente a Vida e Arte do Povo Português com design e ilustrações de Paulo Ferreira e fotografias de Mário Novais, que já conhecia de nome e de ter folheado o exemplar que José Bártolo apresentou no ciclo de conferências Impossuível, realizado no espaço Navio Vazio, da Braço de Ferro. É um dos livros mais sumptuosos editado pelo S.P.N. de António Ferro, que escreveu a introdução: capa em relevo a imitar renda, texto composto em motivos elegantes, mais ou menos geométricos, terminando em cul-de-lampe, etc. Infelizmente, não tenho possibilidade de o fotografar decentemente, mas fica aqui um apontamento tirado com a webcam.

Nos assuntos correntes, a ideia de fazer uma Ordem do Design volta a dar sinal de vida. A AND e a APD uniram os seus esforços para criá-la até 2012. Já escrevi uma vez ou duas sobre o assunto no passado e continuo a ser um dos designers que, de acordo com a notícia do Público, acreditam que é prematuro. Por um lado, ainda tenho dificuldade a perceber como uma Ordem vai proteger os interesses do público (a sua finalidade legal), sobretudo quando a maioria dos designers acredita que vai servir para proteger os seus interesses profissionais. Não acredito que o design (ou a arquitectura, que já tem a sua ordem) sejam actividades que precisem do mesmo género de regulação que a saúde, a economia, a lei ou a engenharia. Pode-se cair facilmente no absurdo de fixar legalmente uma questão de gosto ou pelo menos de uma classe profissional ser a única a ditar esse gosto. Ainda assim, se a Arquitectura conseguiu a sua Ordem foi porque conseguiu reclamar a posse de um discurso público sobre um conjunto de objectos e situações que ultrapassa o que os arquitectos formados fazem – a arquitectura popular e vernacular, por exemplo – através de inquéritos, levantamentos e estudos teóricos. No caso do design, este trabalho está cada vez mais longe de ser feito e a teorização apressada e inconsequente que Bolonha promove vai impedir que se produzam a nível académico estudos de fundo que o sustentem. Se os novos doutoramentos se reduzem cada vez mais aos antigos mestrados, e os novos mestrados a meros papers, quem quiser investigar mais do que isso tem que o fazer com o seu próprio dinheiro, nos tempos livres e nas férias. Ou seja, ao procurar limitar o exercício do design aos profissionais formados nas escolas, uma possível Ordem está a basear a sua autoridade numa academia cada vez esvaziada, fragmentada e sem rumo.

(Lá se foram as notas mais ou menos rápidas).


[1] Escolhi este link pela imagem. É possível encontrar exemplares bastante mais baratos à venda na Amazon.

 

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